Na sequência do assassinato
do CEO da UnitedHealthcare, Brian Thompson, a internet foi inundada com uma
variedade de reações que vão desde condenações (como é devido) até celebrações
e glorificações, com estas últimas a representarem uma parcela preocupante das
respostas encontradas.
É possível que a dimensão destas reações – celebrações,
glorificações ou simples indiferença face ao sofrimento imposto à sua família e
amigos, bem como à imoralidade de tirar uma vida – esteja exagerada. Em outras
palavras, a amostra de reações online pode não ser representativa da população
em geral.
Essa é a minha esperança.
O oposto significaria que começámos a aceitar a violência
como uma forma de expressão política, algo que mina os próprios alicerces de
qualquer democracia.
Embora seja compreensível que muitas pessoas tenham queixas
legitimas em relação ao sistema de saúde americano, não devemos usar eufemismos
ao descrever o que aconteceu. Se o ato foi de facto motivado pelas falhas do
setor da saúde ou particularmente pela UnitedHealthcare, então pode muito bem
ser definido como um ato de terrorismo, dado que o terrorismo é definido como
“violência politicamente motivada contra civis”.
A UnitedHealthcare enfrentou críticas significativas por
práticas que priorizam os lucros em detrimento dos cuidados aos pacientes, como
o facto de ter a maior taxa de rejeição de pedidos entre as principais
seguradoras, negando aproximadamente um em cada três pedidos – uma
taxa duas vezes superior à média do setor – e a
utilização de algoritmos de inteligência artificial com uma taxa de erro de 90%
para negar cobertura de serviços médicos, substituindo as recomendações dos
médicos. Todas estas práticas tornam fácil compreender por que tantas
pessoas sentem raiva e frustração e têm dificuldade em sentir empatia por
alguém percebido como o símbolo de um sistema de saúde moralmente falido que
coloca os lucros das seguradoras acima do bem-estar dos pacientes.
Mas, em vez de celebrar a morte de Brian Thompson, é muito
mais construtivo e humano usarmos as nossas vozes para denunciar um sistema que
explora as pessoas nos seus momentos mais frágeis – quando estão doentes e
precisam de cuidados. Este é um caminho mais eficaz para alcançar mudanças
significativas.
Somando-se à lista de atos imorais associados à
UnitedHealthcare, Brian Thompson também era suspeito de práticas como o uso de
informações privilegiadas (insider trading). Isso, no entanto, não anula
o facto de que ele era também marido e pai de alguém. A sua família e amigos
estão, sem dúvida, a sofrer com a sua perda. Mesmo que não possamos respeitar o
seu legado profissional, devemos-lhes (e à nossa humanidade partilhada) a
empatia e o reconhecimento da indecência de tirar uma vida.
Embora me seja difícil acreditar que Brian Thompson tenha
nascido insensível, o seu legado certamente representa a normalização da
crueldade. É possível que a sua bússola moral tenha sido distorcida por uma
sociedade onde a indiferença é recompensada e a empatia banalizada. Embora eu
não possa afirmar categoricamente que foi o caso de Thompson, é uma trajetória
plausível para qualquer pessoa que opere num sistema que reduz as pessoas a
meros números e incentiva a banalização do mal com recompensas financeiras.
Esta realidade deve levar-nos à reflexão, crítica e reforma, mas nunca pode
servir como justificação para o assassinato ou qualquer forma de violência –
nem para a sua glorificação.
De acordo com Robert Pape, diretor do Projeto de Segurança e
Ameaças da Universidade de Chicago, a violência política nos Estados Unidos tem
vindo a aumentar desde 2017. “O que estamos realmente a vivenciar como país é a
erosão das normas”, disse
Pape, ao jornal britânico The Guardian, acrescentando que “Isto significa,
basicamente, ver a violência como uma ferramenta mais normal, ou aceitável,
para resolver disputas que deveriam ser resolvidas de forma não violenta.”
Esta erosão das normas desafia o próprio fundamento da
sociedade, cujo propósito é criar um ambiente onde as pessoas possam viver
livres de violência ou carências. Embora as democracias possam não produzir
resultados perfeitos, continuam a ser a nossa melhor opção. Como Winston
Churchill observou famosamente durante um discurso em 1947, “A
democracia é a pior forma de governo, com a exceção de todas as outras formas
que foram experimentadas de tempos em tempos.” Embora estivesse a citar um
ditado existente, Churchill destacou as imperfeições da democracia ao mesmo
tempo que sublinhou a sua superioridade em relação às alternativas.
Amy Klobuchar, senadora democrata do Minnesota, refletiu este sentimento ao descrever o assassinato como “um ato horrível e chocante de violência.” E é exatamente assim que todos deveríamos encarar este ato – não apenas pelo bem das nossas democracias, mas também pela nossa humanidade partilhada. Independentemente dos erros ou falhas da vítima, deixar de o fazer é arriscar-nos a deslizar ainda mais para o autoritarismo e o caos.
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