O PSD já veio culpabilizar a provável queda do governo no PS e
no Chega com a insistência na narrativa de um casamento que Montenegro
bem quer propagar, mas que não tem o mínimo de aderência à realidade.
Mas como fazer esse argumento quando o primeiro-ministro
teve todas as chances de resolver a situação antes dela chegar a este ponto?
Perante a oportunidade que Montenegro teve de prestar todos os esclarecimentos atempadamente e até antecipar
novas questões que pudessem vir a surgir, o primeiro-ministro optou
inicialmente pelo silêncio e eventualmente por respostas insuficientes e
opacas.
Essa ausência de transparência perante um caso que levanta
questões sérias relativas a conflitos de interesses deu azo a uma situação em
que a queda do governo se tornava indispensável para o normal funcionamento das
instituições.
Para recapitular: não é normal que o primeiro-ministro tenha
detido através da comunhão de bens com a esposa uma empresa que recebia avenças mensais de 4,500€ da Solverde (cuja concessão do Casino de Espinho será revista este ano)
enquanto mantinha funções em suposta exclusividade e não se preste a responder
às legitimas questões que o público tem sobre este aparente conflito de
interesses.
Não é normal que perante uma empresa que, mesmo dando de
barato que a cedência das quotas à esposa seja legalmente válida, retém uma carteira de clientes angariada pelo primeiro-ministro
mesmo com a ausência do próprio da sociedade e que não seja dada
nenhuma explicação que explique esse facto.
Não é normal que o primeiro-ministro tenha escolhido uma
espécie de exibicionismo no que diz respeito às questões que ninguém lhe fez
(como os rendimentos de que auferiu nos últimos 15 anos) e não tenha tido a mesma transparência perante as questões que de
facto lhe foram feitas.
Com isto, não quero induzir o leitor a nenhuma conclusão.
É possível (e desejável) que nada de irregular tenha
acontecido, mas para um primeiro-ministro que é tão dado à política das
perceções, deveria ter sido óbvio que a mulher de César não basta ser séria,
tem que o parecer. E isso, o primeiro-ministro não foi capaz de fazer.
Numa altura em que a democracia vive sob constante ataque de
populistas que querem cavalgar o cavalo da corrupção e dos interesses, não
existe a mínima margem para qualquer dúvida sobre a idoneidade do
primeiro-ministro e por consequência do governo.
António Costa demitiu-se por um paragrafo num despacho do
Ministério Público. Não sabia Montenegro que isto poderia descambar?
Custava-lhe tanto esclarecer as questões que ameaçavam o normal funcionamento
das instituições?
É possível que não lhe tivesse custado tanto quanto isso,
mas não só Montenegro “tem mais que fazer” do que responder às questões do parlamento como
também já há muito que se especula que o próprio queira repetir a façanha de Cavaco Silva em 1987 que após a queda do seu
governo conseguiu a maioria absoluta.
Isto ficou evidente no preâmbulo das negociações do
Orçamento de Estado em vigor e durante as próprias negociações altamente
encenadas em que PSD e PS tiveram momentos de crispação intensa.
Certo é que se essa era a intenção do primeiro-ministro, a
janela para a dissolução da Assembleia da República já ia curta dadas as
presidenciais do próximo ano.
Sem dúvida que Montenegro preferiria um chumbo de um
Orçamento de Estado ou uma moção de censura movida por um motivo que não um
eventual conflito de interesses do próprio, mas a estratégia com que Montenegro
avançou nestes últimos dias parece deixar claro a intenção (tal como os apontamentos de Leitão Amaro durante a moção de censura do
PCP).
Seja por acidente ou por cálculo, uma coisa é certa: Luís
Montenegro é o arquiteto da queda do seu governo, não a oposição.
Comentários
Enviar um comentário