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Luís Montenegro é o arquiteto da queda do seu governo


Perante a moção de confiança que o governo anunciou que irá apresentar e a previsível rejeição da mesma do PS e do Chega (aliada à resistência do governo AD a substituir Luís Montenegro como primeiro-ministro), estamos perante um cenário de eleições antecipadas. As terceiras eleições legislativas em três anos, que, de acordo com o Presidente da República, ocorrerão a 11 ou 18 de maio.

O PSD já veio culpabilizar a provável queda do governo no PS e no Chega com a insistência na narrativa de um casamento que Montenegro bem quer propagar, mas que não tem o mínimo de aderência à realidade.

Mas como fazer esse argumento quando o primeiro-ministro teve todas as chances de resolver a situação antes dela chegar a este ponto?

Perante a oportunidade que Montenegro teve de prestar todos os esclarecimentos atempadamente e até antecipar novas questões que pudessem vir a surgir, o primeiro-ministro optou inicialmente pelo silêncio e eventualmente por respostas insuficientes e opacas.

Essa ausência de transparência perante um caso que levanta questões sérias relativas a conflitos de interesses deu azo a uma situação em que a queda do governo se tornava indispensável para o normal funcionamento das instituições.

Para recapitular: não é normal que o primeiro-ministro tenha detido através da comunhão de bens com a esposa uma empresa que recebia avenças mensais de 4,500€ da Solverde (cuja concessão do Casino de Espinho será revista este ano) enquanto mantinha funções em suposta exclusividade e não se preste a responder às legitimas questões que o público tem sobre este aparente conflito de interesses.

Não é normal que perante uma empresa que, mesmo dando de barato que a cedência das quotas à esposa seja legalmente válida, retém uma carteira de clientes angariada pelo primeiro-ministro mesmo com a ausência do próprio da sociedade e que não seja dada nenhuma explicação que explique esse facto.

Não é normal que o primeiro-ministro tenha escolhido uma espécie de exibicionismo no que diz respeito às questões que ninguém lhe fez (como os rendimentos de que auferiu nos últimos 15 anos) e não tenha tido a mesma transparência perante as questões que de facto lhe foram feitas.

Com isto, não quero induzir o leitor a nenhuma conclusão.

É possível (e desejável) que nada de irregular tenha acontecido, mas para um primeiro-ministro que é tão dado à política das perceções, deveria ter sido óbvio que a mulher de César não basta ser séria, tem que o parecer. E isso, o primeiro-ministro não foi capaz de fazer.

Numa altura em que a democracia vive sob constante ataque de populistas que querem cavalgar o cavalo da corrupção e dos interesses, não existe a mínima margem para qualquer dúvida sobre a idoneidade do primeiro-ministro e por consequência do governo.

António Costa demitiu-se por um paragrafo num despacho do Ministério Público. Não sabia Montenegro que isto poderia descambar? Custava-lhe tanto esclarecer as questões que ameaçavam o normal funcionamento das instituições?

É possível que não lhe tivesse custado tanto quanto isso, mas não só Montenegro “tem mais que fazer” do que responder às questões do parlamento como também já há muito que se especula que o próprio queira repetir a façanha de Cavaco Silva em 1987 que após a queda do seu governo conseguiu a maioria absoluta.

Isto ficou evidente no preâmbulo das negociações do Orçamento de Estado em vigor e durante as próprias negociações altamente encenadas em que PSD e PS tiveram momentos de crispação intensa.

Certo é que se essa era a intenção do primeiro-ministro, a janela para a dissolução da Assembleia da República já ia curta dadas as presidenciais do próximo ano. 

Sem dúvida que Montenegro preferiria um chumbo de um Orçamento de Estado ou uma moção de censura movida por um motivo que não um eventual conflito de interesses do próprio, mas a estratégia com que Montenegro avançou nestes últimos dias parece deixar claro a intenção (tal como os apontamentos de Leitão Amaro durante a moção de censura do PCP).

Seja por acidente ou por cálculo, uma coisa é certa: Luís Montenegro é o arquiteto da queda do seu governo, não a oposição.

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