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"Graffiti Salgueiro Maia" por FraLiss está licenciado sob CC BY-SA 3.0. |
Ontem celebramos os 51 anos do 25 de Abril. Do dia que Sophia de Mello Breyner descreveu como o “dia inicial e inteiro onde emergimos da noite e do silêncio”.
Como é tradição, muitos foram os que foram às ruas para de
cravo ao peito (ou na mão) simultaneamente celebrar a revolução e reivindicar
mais – ato que por si só é uma outra forma de celebrar Abril.
Este ano, porém, a sombra da autocracia fez-se sentir. Uma
manifestação de extrema-direita no Martim Moniz ilustrou bem a crise dos nossos
tempos: existe cada vez mais um segmento da população que prefere o 24 de abril
ao dia 25. Uma população que adere a uma visão autoritária, ultraconservadora,
xenófoba e racista do que este país deve ser.
A manifestação foi organizada pelo Ergue-te (antigo PNR).
Não sei quantas pessoas aderiram, mas sei que descambou em incidentes de
violência. A extrema-direita e a direita radical vêm-se empoderadas pelo
crescimento que obtiveram nestes últimos anos eleitoralmente e na aderência por
parte da opinião pública a elementos da sua retórica.
Se é verdade que Portugal não está sozinho no crescimento do
sentimento antidemocrático – trata-se de um fenómeno transversal à Europa e à
América do Norte – esse facto não deixa de convocar em qualquer democrata um
sentimento de consternação.
Perante a crescente aderência a uma visão fatalista dos 51
anos de Abril e da crescente aderência a forças políticas que desprezam a
Revolução dos Cravos (particularmente entre o eleitorado jovem, mas não
confinado ao mesmo), urge refletir: como chegamos aqui e o que podemos fazer
para proteger a nossa democracia?
Um dos principais fatores deste fenómeno é o desvanecer da
memória histórica. Quem não conhece a sua história está condenado a repeti-la e
há entre muita gente um desconhecimento do que realmente era Portugal antes do
25 de Abril.
Se hoje podemos dizer que Portugal é um país atrasado quando
comparado aos seus congéneres europeus, nesses tempos o atraso era ainda mais
demarcado, mas passamos muito pouco tempo nas nossas salas de aula a transmitir
esse legado de memória de forma apropriada e que persista na memória de forma
indelével.
Na minha geração, muito pouco tempo foi dedicado a ensinar
sobre a estrutura económica corporativista que impedia o comércio livre, fator
indispensável para o estabelecimento de uma economia inovadora e capaz de
crescer sustentadamente.
Pouco tempo foi dedicado a explicar as reais implicações do
Ultramar e da guerra por ele travada. Do sofrimento imposto aos povos
colonizados e dos horrores dessa guerra.
Da mesma forma, pouco tempo foi dedicado a explicar o que
acontecia aos oponentes políticos ou a quem se limitasse a dizer algo minimamente
incómodo ao regime, tal como a cultura de denúncia que prevalecia na altura.
Não se explicou o horror que afligia as vidas das mulheres
que viveram esses tempos. Não se explicou a ausência de liberdade religiosa ou
de consciência. Tudo isso se resumiu de forma muito lacónica e, naturalmente, o
conhecimento que se reteve foi também ele lacónico e, sobretudo, vulnerável.
Vulnerável aos oportunistas que em tempos de caos e de
dificuldade como aqueles que vivemos hoje se aproveitam sempre do desespero
coletivo para gerar a insanidade coletiva e desse caos colher para si o máximo
de poder possível.
Deixou-se muitos portugueses vulneráveis aos inimigos de
Abril e agora vemos uma situação em que um partido que se refere ao pós 25 de
Abril como “50 anos de corrupção” sem explicar que o que existia antes era
imensuravelmente pior tem, dependendo do estudo de opinião que se usar como
referência, entre 17 e 21% de intenção de voto.
Cultivamos uma sociedade ignorante à sua história e agora
vemos os frutos. Espero que saibamos agora combater esta preocupante tendência
que nos assola e que saibamos manter Abril.
Manter Abril não passa por meras proclamações, mas sim por
uma clara denúncia do que havia antes, reconhecimento do caminho percorrido e
sobretudo do que caminho que falta fazer – porque é desse caminho que os
oportunistas fazem uso.
Manter Abril é reforçar a memória histórica, mas também é
reforçar um horizonte de progresso e prosperidade que ofereça esperança e
alento sustentado na realidade vivida.
É responder aos salários baixos e às rendas altas.
É responder a um SNS em desesperada necessidade de aumento
de capacidades humanas.
É responder a uma escola pública deixada ao abandono ao
altar dos superavits.
É responder à falta de uma economia robusta que ofereça às
empresas e aos trabalhadores perspetivas de uma vida melhor.
Tudo isto é manter Abril. Tudo isto é a continuação do que
começou nesse dia de 25 de abril de 1974.
Tudo o que seja menos do que isto ameaça destruir tudo o que
já conquistamos.
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