Avançar para o conteúdo principal

A democracia de calculadora na mão

As sondagens (e os resultados das eleições de ontem nos Açores) indicam algo inédito na nossa democracia: uma força de extrema-direita poderá ser crucial na determinação de quais serão as soluções de governo viáveis.

À data, o agregador de sondagens da Renascença coloca o Chega como terceira força mais votada com 17.9% das intenções de voto. Não obstante o facto do Partido Socialista (PS) liderar neste agregador com 30.4% (contra os 26.8% da Aliança Democrática (AD)), o agregador (tal como todas as sondagens até ao momento) indicam uma maioria de direita.

O facto dessa maioria de direita ser potenciada pelo Chega coloca questões complexas para a AD, mas também para o PS.

Se o PS quiser formar governo com maioria no parlamento, terá que encontrar soluções que consigam respaldo parlamentar que ultrapasse a divisão esquerda-direita que tem marcado o nosso debate político. Sendo que, à parte de um acordo com o Partido Social-Democrata (PSD), mesmo uma solução que envolva a IL poderia não ser suficiente aritmeticamente, quanto mais realizável tendo em conta as linhas programáticas de ambos os partidos e o facto de que o PS teria que a isto somar o apoio dos partidos à sua esquerda.

Mais fácil seria à AD contar com o apoio do Pessoas-Animais-Natureza (PAN) ou talvez até do LIVRE (ainda que este último se tenha, através do seu deputado único, Rui Tavares, mostrado indisponível para tal), mas mesmo isso poderia não ser suficiente sem alguma espécie de apoio do PS.

Ou seja, para evitar depender do Chega para determinar a composição da próxima solução governativa e das políticas que irão ser prosseguidas será, de acordo com as sondagens, necessária alguma espécie de entendimento entre PS e PSD.

Não é de crer que este entendimento passe por uma grande coligação ou sequer por acordos formais entre os dois partidos até pelo efeito que isso poderia ter de deixar o Chega como o principal partido de oposição. 

Mas poderá ser necessário, se estes dois partidos estão a falar a sério quando falam de evitar que a extrema-direita chegue ao poder no cinquentenário do 25 de abril e caso se confirme o cenário que as sondagens pintam, que regressemos ao pré-2015 e que o partido derrotado deixe o partido mais votado governar ainda que limitado pela sua minoria parlamentar, dependendo de negociações exaustivas.

Esta é a realidade que as sondagens pintam e era bom que os partidos soubessem planear como irão lidar com ela. É justo que quer a AD quer o PS lutem nesta altura por resultados que evitem este cenário, mas julgo que também é justo que a dia 10 de março cada um de nós deposite o seu voto ciente do que ele significará dia 11.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Luís Montenegro é o arquiteto da queda do seu governo

Perante  a moção de confiança que o governo anunciou que irá apresentar e a previsível rejeição da mesma do PS e do Chega  (aliada à resistência do governo AD a substituir Luís Montenegro como primeiro-ministro), estamos perante um cenário de eleições antecipadas. As terceiras eleições legislativas em três anos, que, de acordo com o Presidente da República, ocorrerão  a 11 ou 18 de maio . O PSD já veio culpabilizar a provável queda do governo no PS e no Chega  com a insistência na narrativa de um casamento que Montenegro bem quer propagar, mas que não tem o mínimo de aderência à realidade. Mas como fazer esse argumento quando o primeiro-ministro teve todas as chances de resolver a situação antes dela chegar a este ponto? Perante a oportunidade que Montenegro teve de  prestar todos os esclarecimentos atempadamente e até antecipar novas questões que pudessem vir a surgir , o primeiro-ministro optou inicialmente pelo silêncio e eventualmente por respostas ins...

Uma reflexão sobre Israel, Palestina e o ciclo da violência

Bandeira israelita | foto de Taylor Brandon (Unsplashed) No início do ano, escrevi um texto em que classifiquei as ações de Israel na Faixa de Gaza como um genocídio, publicado  no meu blog ( Fika )  e, posteriormente,  n’ O Cidadão . Tenho, desde há algum tempo, sentido que precisava de revisitar o tema do conflito Israelo-Palestiniano de modo a clarificar aspetos que não tive oportunidade de explorar naquele texto e como resultado de uma evolução na minha perspetiva relativa ao mesmo. O primeiro ponto é que, ao contrário dos vários fanáticos que tratam Israel como a fonte de todo o mal e desrespeitam o seu povo e a sua história, eu acredito piamente no direito de Israel a existir – do povo judeu a ter o seu Estado. E tenho esse ponto como não negociável. Contrariamente a vários outros sionistas, defendo uma Israel diferente da que existe atualmente. A Israel que defendo é um país secular e progressista, sem as divisões étnicas e religiosas atuais da Israel de hoje qu...

A erosão dos valores: o assassinato de Brian Thompson e a normalização da violência

  Na sequência do assassinato do CEO da UnitedHealthcare, Brian Thompson , a internet foi inundada com uma variedade de reações que vão desde condenações (como é devido) até celebrações e glorificações, com estas últimas a representarem uma parcela preocupante das respostas encontradas. É possível que a dimensão destas reações – celebrações, glorificações ou simples indiferença face ao sofrimento imposto à sua família e amigos, bem como à imoralidade de tirar uma vida – esteja exagerada. Em outras palavras, a amostra de reações online pode não ser representativa da população em geral. Essa é a minha esperança. O oposto significaria que começámos a aceitar a violência como uma forma de expressão política, algo que mina os próprios alicerces de qualquer democracia. Embora seja compreensível que muitas pessoas tenham queixas legitimas em relação ao sistema de saúde americano, não devemos usar eufemismos ao descrever o que aconteceu. Se o ato foi de facto motivado pelas falhas ...