Avançar para o conteúdo principal

A “indecente e má figura” de Passos Coelho e da AD


A Aliança Democrática (AD) fez, esta semana, regressar Pedro Passos Coelho ao palco mediático com uma intervenção na campanha eleitoral da coligação no Algarve. A intervenção foi de pouco mais de vinte minutos e diz-se que será a única que fará durante esta campanha, mas foi tempo suficiente para nos mostrar muito sobre a situação da direita atualmente.

Nos vinte e poucos minutos em que discursou, Passos Coelho tocou na economia (acusando o PS de não fazer o país crescer o suficiente), tocou na imigração (que ligou erroneamente a uma suposta perceção generalizada de insegurança), e tocou também, sem que ninguém desse nota disso, na questão das aulas de Educação para a Cidadania no sistema educativo. Foi um festim de talking points simplistas e factualmente incorretos.

Comecemos pelo crescimento. Passos Coelho acusou o PS de deixar uma perspetiva de crescimento económico "miserável". Ora a perspetiva de crescimento económico do país é de 1.3% para este ano e 2.3% em 2025. Na Alemanha, o crescimento projetado para este ano reduziu de 1.3% para 0.2% com Bruxelas a prever um crescimento de 1.2% em 2025 (isto após uma contração de 0.3% em 2023). Já em França, a previsão foi revista de 1.4% para 1% em 2024 e para 2025 prevê-se um crescimento de 1.3%. Já a nível europeu, a Zona Euro prevê um crescimento de 0.8% para este ano e de 1.5% em 2025.

Ou seja, Portugal, tendo em conta a situação no resto da Zona Euro, está longe de ter um crescimento económico miserável.

Relativamente à imigração e à segurança, Passos Coelho fez a ligação entre imigração e segurança para acusar o governo de não lhe ter dado ouvidos em 2017 (não 2016, como o próprio afirmou) e afirmar que "as pessoas sentem uma insegurança que é resultado da falta de investimento e de prioridade que seu deu a essas matérias".

Ora, também aqui, Passos Coelho ou comete uma imprecisão ou entra no mais bacoco dos populismos.

De acordo com dados do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), a criminalidade tem desde 2006 observado uma "tendência de descida, tanto na criminalidade geral como na criminalidade violenta e grave" com a criminalidade grave a representar 3.9% da criminalidade participada.

A isto se adiciona o facto de 84.6% da população prisional em Portugal é de nacionalidade portuguesa e que na última década a tendência é para a queda do valor relativo de reclusos estrangeiros (uma queda de 3.8%). Pode-se, de facto, dizer que a perceção de insegurança aumentou, mas mesmo isso não aumentou de forma significativa entre 2017 e 2023, de acordo com o Barómetro APAV, da Intercampus de maio de 2023.

Já a afirmação de Passos Coelho a reivindicar um sistema educativo em que as pessoas não sejam ensinadas o que pensar parece-me (posso estar errado) uma alusão clara às aulas de Educação para a Cidadania que o mesmo defende devem ser sujeitas a direito de objeção de consciência por parte dos encarregados de educação. Ou seja, Passos Coelho (e a AD por arrasto), acha que uma disciplina que aborda temas como direitos humanos, literacia financeira, educação ambiental, sexualidade, identidade de género, media e o mundo do trabalho é secundária senão indesejável.

Algo que é revelador de uma visão conservadora e anacrónica da sociedade. 

Querer negar aos jovens o conhecimento de que necessitam ou irão necessitar para navegar assuntos complexos na sua vida ou a oportunidade de contrastar visões do mundo que possam ser diferentes daquela que lhes é imposta pelo seu meio familiar parece-me reforçar a ideia das crianças e dos jovens como propriedade dos pais ao invés de estarem sob responsabilidade dos mesmos.

Convém também mencionar, ainda sobre a imigração, que o governo de Passos Coelho tentou que os residentes estrangeiros tivessem de esperar três anos antes de poder receber o Rendimento Social de Inserção (RSI). Uma medida que o Tribunal Constitucional travou dizendo que "conclui-se que a imposição de um prazo de 3 anos - que se traduz na negação da concessão de meios de sobrevivência a um cidadão estrangeiro em situação de risco social, antes de decorrido esse período é excessiva, colidindo, de modo intolerável, com o direito a uma prestação que assegure os meios básicos de sobrevivência".

Se esta ideia lhe parecer familiar, saiba que não é uma inovação de André Ventura e do Chega, é uma ideia antiga do PPD/PSD. Algo que revela que já dentro da direita democrática existem ideias e propostas xenófobas (à imagem, aliás, de vários outros partidos da mesma família política europeia).

Não me atrevo a dizer se esta intervenção de Passos Coelho ajudará ou prejudicará a AD nas sondagens ou nas urnas de voto, mas digo que se em dezembro, Passos Coelho afirmou que António Costa se demitia por "indecente e má figura", o próprio regressou agora para fazer uma indecente e má figura e que convém que Luís Montenegro clarifique o que o aproxima e o que o afasta de Pedro Passos Coelho sob risco de perder os eleitores do centro.



Comentários

Mensagens populares deste blogue

Luís Montenegro é o arquiteto da queda do seu governo

Perante  a moção de confiança que o governo anunciou que irá apresentar e a previsível rejeição da mesma do PS e do Chega  (aliada à resistência do governo AD a substituir Luís Montenegro como primeiro-ministro), estamos perante um cenário de eleições antecipadas. As terceiras eleições legislativas em três anos, que, de acordo com o Presidente da República, ocorrerão  a 11 ou 18 de maio . O PSD já veio culpabilizar a provável queda do governo no PS e no Chega  com a insistência na narrativa de um casamento que Montenegro bem quer propagar, mas que não tem o mínimo de aderência à realidade. Mas como fazer esse argumento quando o primeiro-ministro teve todas as chances de resolver a situação antes dela chegar a este ponto? Perante a oportunidade que Montenegro teve de  prestar todos os esclarecimentos atempadamente e até antecipar novas questões que pudessem vir a surgir , o primeiro-ministro optou inicialmente pelo silêncio e eventualmente por respostas ins...

Uma reflexão sobre Israel, Palestina e o ciclo da violência

Bandeira israelita | foto de Taylor Brandon (Unsplashed) No início do ano, escrevi um texto em que classifiquei as ações de Israel na Faixa de Gaza como um genocídio, publicado  no meu blog ( Fika )  e, posteriormente,  n’ O Cidadão . Tenho, desde há algum tempo, sentido que precisava de revisitar o tema do conflito Israelo-Palestiniano de modo a clarificar aspetos que não tive oportunidade de explorar naquele texto e como resultado de uma evolução na minha perspetiva relativa ao mesmo. O primeiro ponto é que, ao contrário dos vários fanáticos que tratam Israel como a fonte de todo o mal e desrespeitam o seu povo e a sua história, eu acredito piamente no direito de Israel a existir – do povo judeu a ter o seu Estado. E tenho esse ponto como não negociável. Contrariamente a vários outros sionistas, defendo uma Israel diferente da que existe atualmente. A Israel que defendo é um país secular e progressista, sem as divisões étnicas e religiosas atuais da Israel de hoje qu...

O 25 de Abril e o desvanecer da memória histórica: a importância de recordar e manter Abril

" Graffiti Salgueiro Maia " por FraLiss está licenciado sob CC BY-SA 3.0 . Ontem celebramos os 51 anos do 25 de Abril. Do dia que Sophia de Mello Breyner descreveu como o “dia inicial e inteiro onde emergimos da noite e do silêncio”. Como é tradição, muitos foram os que foram às ruas para de cravo ao peito (ou na mão) simultaneamente celebrar a revolução e reivindicar mais – ato que por si só é uma outra forma de celebrar Abril. Este ano, porém, a sombra da autocracia fez-se sentir. Uma manifestação de extrema-direita no Martim Moniz ilustrou bem a crise dos nossos tempos: existe cada vez mais um segmento da população que prefere o 24 de abril ao dia 25. Uma população que adere a uma visão autoritária, ultraconservadora, xenófoba e racista do que este país deve ser. A manifestação foi organizada pelo Ergue-te (antigo PNR). Não sei quantas pessoas aderiram, mas sei que descambou em incidentes de violência. A extrema-direita e a direita radical vêm-se empoderadas pelo cr...