Eu, como presumo a
maioria dos portugueses, ainda estou a processar este verdadeiro sismo que
aconteceu ao nosso sistema político nas eleições de 10 de março.
Não me espanta por
completo o crescimento do Chega, nem sequer a percentagem de voto. Várias
sondagens anteriores tinham apontado para resultados desta ordem (a certo ponto
houve sondagens que indicavam 21% de intenções de voto para o Chega).
Mas entre o ver
estudos de opinião e deles tirar a ilação de que estamos numa trajetória
preocupante e essa mesma trajetória confirmar-se vai alguma distância.
Suponho que tinha um
resquício de esperança de que os 16% de indecisos de que a sondagem da Católica
dava conta a 7 de março dessem, como em 2022, a volta ao texto e que pelo
menos, ganhasse quem ganhasse, o Chega tivesse um resultado menor.
Ora, veio a
confirmar-se o que os estudos de opinião mais antigos projetavam e agora
estamos no pântano (em vários sentidos).
No pântano porque
estamos perante um cenário de ingovernabilidade extremamente difícil de
navegar. As eleições pelas quais Marcelo Rebelo de Sousa optou sacrificaram a
estabilidade que poderíamos por esta altura ter com a maioria que o PS (não
António Costa, mas o PS) elegeu e um primeiro-ministro (Mário Centeno ou outro)
que desse continuidade ao programa que fez eleger essa maioria.
Sacrificaram essa
estabilidade por um cenário de absoluto caos.
Caos e horror, na
verdade. Porque não só estamos perante um cenário de ingovernabilidade como
este pântano conta com, à hora que escrevo, 48 deputados de extrema-direita.
Se é verdade que
tivemos a abstenção
mais baixa desde 1995,
e isso é um dado positivo, também é verdade que esse voto recuperado à
abstenção parece ter ido principalmente para a extrema-direita.
Isto, a ser verdade,
indica-nos que teria sido melhor que os abstencionistas tivessem ficado
abstencionistas. Que teriam feito menos mal à sociedade ao não participar do
que ao participar desta forma.
Não consigo resistir
a deixar uma recomendação a quem achou uma bela ideia sair de casa para votar
no Chega dia 10 porque achava que “os políticos são todos iguais”, ou que o
problema deste país são “os subsídio-dependentes” (quando é a redistribuição de
riqueza que impede que Portugal tenha uma taxa de pobreza de 47%), ou os
imigrantes (que são, na verdade, o que impede o nosso país de estar numa
situação demográfica pior e cujas contribuições para a Segurança Social são absolutamente
indispensáveis): Façam um favor e fiquem em casa porque das duas uma, ou são
fascistas ou são ignorantes.
Aos que são
ignorantes, que espero seja a maioria do voto no Chega, deixo o esclarecimento
de que todos somos ignorantes sobre alguma coisa. Eu sou ignorante no diz
respeito às regras do xadrez. Por e simplesmente não sei jogar xadrez. E como
não sei jogar, à falta de alguém disponível para me ensinar, não jogo.
Na democracia, todos
temos o direito ao voto (e assim deve ser), mas o exercício desse direito é (ou
deveria ser) acompanhado do dever de tomarmos decisões informadas. Aceito
melhor o voto do facho que sabe que é facho, do que do eleitor que achava que resolvia
algum dos problemas sociais que afligem o nosso país a votar num partido que na
sua génese defendia que o estado não deve prestar nenhum serviço aos cidadãos
(ou seja nada de SNS ou educação pública) e que era e continua a ser contra as
prestações sociais que, como já mencionei, impedem que o nível de pobreza deste
país suba aos 47%.
Admito, porém, que
haja aqui um problema de comunicação. Que não nos tenhamos expressado com a
clareza suficiente relativamente aos desafios que o nosso país enfrenta e aos
meios de que dispõe para os enfrentar.
Que tenhamos, como
sociedade, ignorado a alienação destas pessoas e que estas se tenham tornado
alvo fácil de quem lhes promete mundos e fundos, mas tudo fará para lhes tirar
o pouco que têm.
E nesse sentido, urge
o diálogo. Não para criar um meio ponto entre a democracia e o fascismo (que,
aliás, deve ser combatido a toda a oportunidade), mas sim para elucidar aqueles
que por desesperança e por não saberem as consequências do voto que depositaram,
nos condenaram a este pântano.
Até porque até eles
têm um fundo de razão na impressão de que os políticos são todos iguais. Não na
afirmação de que são todos iguais, porque não o são (seja a nível ético ou
ideológico), mas sim na sensação de que os seus problemas não se resolvem
independentemente de quem chega ao poder.
De facto, é verdade
que sucessivos governos do PS e o PSD têm falhado aos portugueses em áreas
essenciais como a saúde, a educação, o direito à habitação, direitos laborais e
várias outras questões essenciais para o bem-estar do povo português. Onde
estes eleitores falham é na resposta que esta questão carece.
Perante esta
realidade não deixo de comungar da ideia de que precisamos de mudança. De que
este rumo não serve. De que precisamos de soluções para estas questões. Este é
o chão comum entre nós. E urge dialogar sobre ele.
E tendo estabelecido
que precisamos de mais diálogo, porque não um pedido de explicações ao Tribunal
Constitucional que permitiu, apesar da estrita proibição na Constituição
da República Portuguesa, que partidos de índole fascista e nacionalista como o Chega, o
Ergue-te (PNR), o ADN, o Nova Direita e o Alternativa 21 tivessem presentes no
boletim de voto?
Na lista de culpados, este será sem dúvida um dos maiores culpados desta tragédia anunciada no ano do quinquagésimo aniversário do 25 de abril.
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