Tinha dito a mim mesmo que não iria, até às eleições de 10 de março, escrever mais sobre o cordão sanitário que é necessário impor ao Chega até porque existem assuntos como o futuro da NATO e a situação na Ucrânia que também merecem atenção, mas os desenvolvimentos de ontem e a forma como foram recebidos forçam-me a voltar a abordar o assunto.
Os acontecimentos em causa são as declarações de Rui Tavares em que o mesmo disse que "a direita democrática tem de ter com quem dialogar" e sinalizou disponibilidade para diálogo onde for possível ao LIVRE fazer caminho comum com a AD sem que isso ponha em causa os valores do partido.
A receção? Bloco de Esquerda e PCP criticaram Rui Tavares por dizer aquilo que é óbvio e prática comum noutras democracias europeias. Aliás, as democracias europeias que citamos quando, em 2015, quebramos a tradição política portuguesa que ditava que o partido mais votado governasse, mesmo sem maioria parlamentar (à base de abstenções do principal partido da oposição).
Com a quebra deste modelo e com o surgimento (e consequente crescimento) de um partido de extrema-direita no parlamento, a direita ficou, sob este novo modelo, sem perspetivas de governação que lhe permitisse manter o necessário cordão sanitário ao Chega.
Porque não é crível que a direita democrática aceite ficar na oposição para sempre, declarações como a de Rui Tavares a dar conta de uma certa disponibilidade de diálogo por parte do LIVRE são mais do que bem-vindas, são essenciais.
É necessário que os partidos não cedam a acantonamentos ideológicos baseados na tradicional divisão entre esquerda e direita e saibam também reconhecer a importância do espetro aberto-fechado e de que entre partidos democráticos deve ser sempre possível a convergência onde as posições dos vários partidos que compõem o nosso parlamento o permitir.
É necessário ultrapassar esta polarização de modo a evitar que a direita democrática se vire para a extrema-direita (seja na questão de apoios parlamentares ou em posicionamentos em relação a questões como a imigração ou o aborto, temas em que já vimos figuras da AD a ceder ao populismo e ultraconservadorismo da extrema-direita).
Devemos lembrarmo-nos sempre que a democracia é o bem mais precioso que, como sociedade, temos. Sem ela não é possível uma sociedade aberta e plural. E para que a democracia possa existir e manter-se saudável é essencial que exista diálogo e negociações, especialmente entre forças políticas com visões distintas, mas assentes numa sociedade democrática, aberta e plural.
Na Alemanha, os Verdes (o equivalente ao LIVRE) fazem parte de um governo liderado pelo SPD (um partido social-democrata) e o FDP (um partido liberal). No passado, os Verdes (e até o SPD) fizeram parte de governos liderados pela CDU de Merkel. Coligações desse género em Portugal seriam, neste momento impensáveis, mas se queremos que sejam as maiorias estabelecidas no parlamento a ditar quem governa, temos de quebrar o muro intransponível que separa as forças de direita e de esquerda que acaba por levar à radicalização, ao caos e à ingovernabilidade.
Rui Tavares, Inês Sousa Real e, de vez em quando, Pedro Nuno Santos parecem entender isto. Já Mariana Mortágua e Paulo Raimundo nem por isso.
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