A legislatura ainda agora começou e já temos sinais do que podemos esperar deste parlamento altamente fraturado.
Se, por um lado, temos o PS a disputar o papel de líder da
oposição com o Chega, por outro temos uma AD, composta pelo PSD e o CDS-PP, a
querer governar como se não tivessem sido pouco mais de cinquenta mil votos que
lhes garantiram a vitória e como se o PSD e o PS não estivessem empatados no número de deputados eleitos.
Um cenário que coloca em causa a governabilidade do país.
Perante o anúncio do PS de que à partida votará contra a
proposta de Orçamento do Estado do governo PSD/CDS-PP, resta saber quais as
soluções que o governo procurará para ultrapassar esse impasse sem ter de
negociar acordos com o Chega. Acordos esses que a AD, corretamente, rejeitou.
É de louvar que até agora o “não é não” de Montenegro ao
Chega se tenha mantido. O que não é de louvar é o encostar às cordas que
Montenegro procurou fazer ao PS no seu discurso de tomada de posse no qual
colocou o ónus do destino do seu governo no PS como se este fizesse parte de
algum acordo com o governo, ao invés de denunciar o papel do obstrucionismo da
direita não democrática numa eventual queda do mesmo.
Se Montenegro acredita mesmo que o destino do seu governo
depende do PS, então deveria procurar “acarinhar” (como disse Miguel Pinto Luz
em relação aos mais de um milhão de eleitores que votaram no Chega) o PS e as
suas propostas de modo a fazer uma síntese com as propostas da AD que o governo
se sinta à vontade a propor e consiga adicionar aos votos favoráveis do PSD e
do CDS-PP o apoio ou a viabilização do PS.
Sem negociações de boa-fé assentes em concessões mútuas,
Montenegro não pode esperar outra coisa do PS que não seja o voto contra a
proposta de Orçamento do Estado do PSD. Da mesma forma que o PSD votaria contra
uma proposta de Orçamento do Estado do PS.
A razão para isto é obvia e tem sido mencionada várias vezes
desde que o assunto se tornou tema de debate: os Orçamentos do Estado são uma
expressão dos projetos ou prioridades políticas de quem os apresenta. Sendo por
isso natural que o PS não aprove um Orçamento do Estado que tenha nele vertido
o tal “choque fiscal” que o PSD promoveu como motor para o crescimento
económico e que o PS criticou durante a campanha como irresponsável (com Pedro
Nuno Santos a designá-lo de “aventura fiscal”). Essa seria, aliás, uma das
principais concessões que o PSD teria de fazer se quer mesmo o apoio do PS no
Orçamento do Estado.
Um voto favorável do PS num documento onde esse choque
fiscal se encontrasse vertido seria uma traição ao seu eleitorado que seria
difícil compreender. Assim, é crucial que as duas principais forças
democráticas dialoguem para encontrar soluções viáveis.
Ao chantagear o PS com o ónus de derrubar o governo, Montenegro
parece pretender governar com o apoio incondicional do PS nos momentos
sensíveis (deteriorando a oposição democrática) ou querer estabelecer uma
narrativa para a eventual queda do seu próprio governo na qual o PS faria o
papel de partido inflexível e irresponsável numa tentativa de concentrar o voto
do centro no PSD.
Se não for esse o caso o PSD precisa de repensar a sua
estratégia.
O PSD pode querer aspirar a governar em minoria, mas para
isso precisa reconhecer que a coligação que lidera está em minoria. Isso requer
deixar muito do seu programa eleitoral para trás e dialogar com os restantes
partidos do arco democrático com vista a construir pontes de entendimento e essa
iniciativa deve partir do PSD, não da oposição.
Sobretudo, deve evitar chantagear o maior partido da
oposição democrática e deve evitar fragilizá-lo no seu papel de principal
partido da oposição de modo a não ceder essa posição a um partido
antidemocrático como o Chega.
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