É comum, ao nos depararmos com um novo estudo que aponta para estatísticas absurdas de desigualdade de riqueza, exemplos de pobreza extrema ou simplesmente notícias sobre a crise habitacional, cair no debate binário típico de capitalismo vs. socialismo.
Por um lado, aqueles que se opõem
ao capitalismo afirmam que este é o culpado por todos os nossos males. Desde a
pobreza extrema até às mudanças climáticas, tudo é atribuído aos mercados
livres e ao comércio. Por outro lado, os críticos do socialismo argumentam que
o capitalismo é a solução para esses problemas e que o socialismo é o
verdadeiro obstáculo.
No meio da troca frenética de
argumentos entre capitalistas e socialistas, muitas vezes perdemos de vista o
problema inicial. Discussões sobre pobreza extrema ou mudanças climáticas
rapidamente se transformam em debates sobre teorias económicas ou, no pior dos
casos, em insultos e falácias.
Embora esses debates possam ser
divertidos e interessantes, não nos aproximam da resolução dos problemas. Pelo
contrário, afastam-nos ainda mais da capacidade de os abordar adequadamente.
Esses debates impedem-nos de
reconhecer um facto que nenhum dos lados quer admitir: nenhuma economia que
tenha sido exclusivamente socialista ou exclusivamente capitalista produziu
resultados positivos para a população. Pelo contrário.
No caso do socialismo, podemos
apontar para a Venezuela. Apesar de melhorias em áreas cruciais como a
alfabetização, a economia piorou desde a revolução bolivariana, com a fome e os
apagões a tornarem-se parte do dia-a-dia.
No caso do capitalismo, podemos
olhar para o Chile. Um país onde uma ditadura baseada em princípios de mercado
livre deixou um legado de extrema desigualdade, mesmo décadas após ter sido
derrubada por um referendo.
Tendo estabelecido o que não
funciona, é legítimo perguntar: o que funciona?
Para isso, basta olhar para a
Europa, onde as economias conseguiram equilibrar crescimento económico e
bem-estar social através de uma mistura de mercados livres, regulamentações
eficientes e sistemas de bem-estar. Este modelo, conhecido como economia social
de mercado, fez da Europa o continente mais desenvolvido e próspero do mundo.
Em 2023, 37 dos 44 países europeus foram classificados como "Altamente
Desenvolvidos" no Índice de Desenvolvimento Humano, especialmente no
norte, centro e oeste da Europa.
Se quisermos exemplos
específicos, podemos olhar para a social-democracia nórdica. O famoso modelo
nórdico é responsável por alguns dos melhores países para se viver. Islândia,
Noruega, Suécia, Dinamarca e Finlândia estão consistentemente no topo do Índice
de Desenvolvimento Humano.
Esses países integraram elementos
da social-democracia tradicional, como sindicatos fortes, tributação
progressiva e um estado de bem-estar substancial, com elementos liberais, como
a flexibilidade laboral. Esta solução seria impossível de alcançar se as
pessoas nesses países estivessem presas em debates entre capitalismo e
socialismo.
Falando especificamente sobre a
flexibilidade laboral, embora seja verdade que em economias como a nossa ela é
usada e abusada pelos empregadores para manter salários baixos e direitos
laborais mínimos, em países como a Dinamarca, faz parte do modelo de flexissegurança.
Este modelo combina a facilidade com que uma empresa pode despedir alguém com
um estado de bem-estar robusto que oferece estabilidade ao empregado despedido
para que este possa planear o próximo passo. Numa economia de pleno emprego
como a da Dinamarca, esse próximo passo certamente virá em breve.
A capacidade de contextualizar
tais realidades perde-se sempre que obcecamos por divisões ideológicas. Ideias
interessantes, como Rendimento Básico Universal, esquemas de trabalho parcial
para idosos ou a semana de trabalho de quatro dias, tornam-se alvos de
ostracização puramente com base na ameaça à pureza ideológica, dificultando a
sua presença em qualquer debate.
O nosso mundo está em constante
mudança e, com essas mudanças, surge a necessidade de repensar vários aspetos
das nossas vidas. Esse repensar exige flexibilidade para contemplar ideias que
possam estar fora do nosso espectro ideológico, tanto para os fãs de Milton
Friedman quanto para os de Karl Marx.
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