É com estupefação que tenho assistido aos debates que se geraram ao longo dos últimos meses à volta do tema da imigração fomentados pela demagogia de Pedro Passos Coelho, numa fase inicial, e, posteriormente, Luís Montenegro com a retórica das “portas escancaradas”, num esforço claro de acompanhar o extremismo do Chega.
Para responder ao primeiro-ministro diretamente, não, não
existe nenhuma evidência de que o país esteja de “portas escancaradas” e que
sejam necessárias reformas para regressar às “portas abertas” que o mesmo
apregoa aos sete ventos. Se da extrema-direita já era de esperar, da direita
democrática é, no mínimo, chocante.
Vejamos alguns factos básicos.
Primeiro, não se verifica que o aumento da imigração nestes últimos anos esteja a contribuir para um aumento generalizado da criminalidade, ao contrário do que o Chega (e o PSD e CDS-PP, com a retórica da “sensação de insegurança”) querem fazer parecer.
E isto não é sequer um dado surpreendente.
Nos vários países comparáveis ao nosso, a tendência é que os
imigrantes cometam per capita menos crimes do que a população nativa. Mais, essa tendência
estende-se aos imigrantes ilegais.
Segundo, os imigrantes têm sido essenciais no equilíbrio demográfico. Se é verdade que Portugal é um país
envelhecido, a verdade é que essa realidade seria mais acentuada sem o
contributo daqueles que vêm buscar uma vida melhor no nosso país. Têm também
compensado a saída de jovens que saem do nosso país em busca de uma vida melhor
(tal qual os imigrantes que para cá vêm).
Se Portugal atingiu uma população recorde de cerca de 10,6
milhões de pessoas, devemo-lo à imigração. Tal como devemos o equilíbrio da segurança social para a qual
os imigrantes contribuem muito, tendo, em 2022, atingido um saldo positivo de 1604 milhões de euros.
Ao contrário do que o Chega e outros dizem, os imigrantes
dão a Portugal um contributo extremamente importante e necessário. E, chegando
ao terceiro ponto, ao contrário de que o já mencionado partido e outros
defendem, não há qualquer “roubo” de postos de trabalho que possa ser demonstrado pelos dados.
Os imigrantes tipicamente fazem, nos seus países recetores,
os trabalhos que a população local não quer fazer. Para usar um exemplo
internacional, quando Donald Trump chegou ao poder nos Estados Unidos pela
primeira vez, ele implementou um conjunto de políticas restritivas que
deportaram vários imigrantes (legais e ilegais). O resultado, em várias
comunidades, foi de incapacidade de preencher as vagas deixadas pelos imigrantes – estavam a fazer o
trabalho que os americanos não queriam fazer, tal como os nossos emigrantes
fazem o trabalho que os outros não querem fazer nos seus respetivos países.
É, portanto, uma ilusão pensar que a restrição da imigração
irá fazer retornar postos de trabalho para a população nativa que em nada se
sustenta em dados empíricos.
A adicionar a estes dados, existe o facto que já fui
referindo ao longo do texto de que somos uma nação de emigrantes. Temos, por
força da nossa história e de uma economia que teima em não se querer
desenvolver ao mesmo ritmo que os nossos vizinhos europeus, vindo, ao longo dos
anos, a ver várias gerações deixar o nosso país em busca de uma vida melhor.
Era para mim natural que não fosse necessário escrever este
texto. Que através das experiências das quais certamente a generalidade dos
portugueses tem conhecimento, eles pudessem perceber instintivamente que a
retórica anti-imigrante em Portugal é a mesma feita em países como o Reino
Unido ou a França, países com comunidades portuguesas significativas.
Basta um olhar objetivo para o país que saiba comparar a
realidade com a retórica para entender estes factos. Muito se tem falado de
sensações e perceções, mas existe um termo mais acertado para descrever a
aplicação desses termos no discurso público sobre a imigração: xenofobia.
Aquilo de que nos gabávamos ser imunes afinal também nos acontece a nós quando
a imigração aumenta. Se é verdade que tínhamos de convergir com o resto da
Europa em alguma coisa, dispensava-se que fosse nisto.
Porque os dados indicam que não existe aumento da
criminalidade, porque os dados indicam que a nossa demografia e a nossa
segurança social estão a ser mantidas solventes pela imigração, porque os
imigrantes vêm muitas vezes fazer os trabalhos que não queremos fazer e porque
os imigrantes que para cá vêm são, com mais ou menos dificuldades na
aprendizagem da língua, essencialmente o mesmo que os emigrantes que vimos
partir.
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