A AD tem por si só mais deputados que a totalidade da esquerda, o PS vê-se reduzido (neste momento) a 58 deputados e o Chega pode vir a ser o segundo maior grupo parlamentar.
Perante este cenário de hecatombe da democracia e da
esquerda várias são as questões que emergem: Poderia Pedro Nuno Santos ter feito
uma campanha melhor? Deveria o PS ter-se abstido na moção de confiança? Que
rumo para o futuro e como deve o PS relacionar-se com a AD neste novo
parlamento?
Todas estas perguntas são importantes e interessantes, mas
aquela para qual me sinto mais capacitado para responder é: como chegamos a
este ponto? Como é que passamos de uma maioria absoluta do PS em 2022 para ter
o PS a disputar o segundo lugar com a extrema-direita?
Para a resposta a essa pergunta precisamos de voltar a 2015,
o ano em que se formou a geringonça. Nessa altura abriram-se dois precedentes
que não se deviam ter aberto.
O primeiro foi que se vetou à força mais votada (a coligação
Portugal à Frente constituída pelo PSD e o CDS-PP) a oportunidade de governar
apesar de ter ganho as eleições.
Com este ato, o PS, o Bloco de Esquerda, o PCP e o PEV
abriram uma nova página na política portuguesa com a “geringonça”, assim
denominada por Paulo Portas. Passamos a uma lógica de blocos parlamentares de
esquerda e de direita que dificilmente comunicam entre si.
O erro aqui foi o de subverter uma lógica que permitia a
existência de governos minoritários relativamente estáveis.
O segundo precedente que não se deveria ter aberto é a
inclusão no suporte parlamentar do governo a partidos de protesto e
eurocéticos.
Ao abrir a governação (ainda que na forma do suporte
parlamentar) a estes partidos criaram-se vários problemas. O primeiro foi que
se normalizou alianças circunstanciais com partidos que são, na falta de um
melhor termo, radicais (no sentido de proporem políticas de rutura em
detrimento de políticas de reforma, neste caso o anticapitalismo).
É certo que nem todos os radicalismos são iguais e que o
radicalismo do Bloco de Esquerda e da CDU não são nem riscos à democracia nem
da mesma dimensão do radicalismo do Chega – são mais comparáveis ao radicalismo
da Iniciativa Liberal, um partido cujo radicalismo é várias vezes subestimado.
Dessa aliança provém um argumento que é frequentemente (e
erroneamente) usado para legitimar hipotéticas alianças com o Chega: denunciar
qualquer acordo com radicais de direita é uma dualidade de critérios vergonhosa
por parte de quem não tem bom perder.
Este argumento ignora, obviamente, que o Chega é um partido
de extrema-direita, não um mero partido radical de direita e que,
contrariamente aos partidos da geringonça, quer derrubar a democracia liberal
instituída após a revolução de Abril.
Outro problema, que é o mais direto contributo para a
emergência e crescimento do Chega, é que com os partidos à esquerda do PS
envolvidos no arco da governabilidade de esquerda, todos os erros
(percecionados ou reais) passaram a também ser culpa destes partidos, quebrando
assim a função de válvula de escape para o voto de protesto que estes partidos
cumpriam eximiamente no parlamento.
Volvidos a 2025, o resultado está à vista: o Chega vai ser o
líder da oposição perante um governo liderado por um primeiro-ministro com a
credibilidade fragilizada por um escândalo que põe a sua idoneidade em cheque e
com um mundo envolto em crises a cujos impactos não estaremos imunes.
Ao derrubar o chamado “muro” que separava o PS do Bloco e da
CDU, derrubou-se o muro que nunca devia ter sido derrubado e com ele as
salvaguardas que mantinham a nossa democracia funcional.
À esquerda, resta ao próximo líder do PS (seja ele José Luís
Carneiro ou outro) e ao LIVRE a reconstrução do espaço da esquerda progressista
e europeísta de modo que não seja do Chega o projeto alternativo à AD.
Já à direita democrática, resta uma mudança de curso pois a
continuação da banalização do Chega só fomentará que aconteça ao PSD o que
aconteceu ao PS nestas eleições. Montenegro deve ter em mente que a maioria
absoluta de António Costa foi há apenas três anos.
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