Numa curta sucessão de dias, tivemos um incidente racista contra o representante da comunidade islâmica de Portugal, David Munir, um ataque a um ator por parte de elementos de um grupo nazi (cuja referência no Relatório Anual de Segurança Interna foi retirada pelo governo) e um ataque, no Porto, a voluntárias por parte de pessoas que as acusavam de promover a presença de imigrantes no país.
Pouco depois da eleição de 60 deputados de extrema-direita,
e mesmo perante a tentativa de normalização por parte do mesmo (no que diz
respeito à ótica, obviamente, o cerne mantém-se imutável), estamos perante o ar
dos dias.
A extrema-direita sente-se empoderada e posto tudo em
perspetiva, têm razões para isso.
A extrema-direita olha para o parlamento e vê 60 dos seus a
apresentar o segundo maior grupo parlamentar.
A extrema-direita olha para o governo e vê um governo que
além da supramencionada ocultação do perigo da extrema-direita do RASI, faz
gáudio de propagar as falsas perceções de insegurança sempre associadas de
forma igualmente falsa à imigração.
A extrema-direita olha para as redes sociais e vê nelas
abrigo seguro ao seu discurso.
A extrema-direita olha para órgãos de comunicação responsáveis
e credíveis como a SIC Notícias a criar um espaço de opinião não só
exclusivamente de direita, como também inclusivo a extrema-direita como se
fosse normal e vê nisso uma vitória sobre a comunicação social que despreza.
A extrema-direita vê as inúmeras entrevistas despropositadas
a André Ventura e vê que tem domínio sobre a narrativa, facilitado por um
sensacionalismo que toma conta da comunicação social.
A extrema-direita vê a erosão da esquerda no parlamento e
sorri porque sabe que, neste momento, só a esquerda está disponível para a
combater efetivamente.
A extrema-direita olha para um Carlos Moedas que não
consegue condenar a extrema-direita sem fazer a falsa equivalência a uma
extrema-esquerda inexistente em Portugal e vê que mesmo a direita democrática
está refém da direita fascista.
Seja na narrativa política que tem ajudado a moldar de
insegurança generalizada e imigração descontrolada (sempre baseada nas
perceções desalinhadas com os factos), seja na legitimação do Chega como força
de oposição com os quais nunca serão governo mas com os quais estão disponíveis
para negociações pontuais, a direita democrática tem feito o jogo que convém à
extrema-direita: a legitimação por via da cooptação de parte do seu discurso, a
legitimação institucional ao tratar o Chega como se fosse um partido com ideias
radicais e não como a ameaça à democracia que é.
Mesmo agora, a direita democrática tenta inserir estes
eventos como parte da narrativa do aumento generalizado da violência (citando o
ataque de adeptos do Sporting a adeptos do Porto com contornos gravíssimos,
também ele de uma natureza vil e condenável), recusando confrontar a natureza
única e específica do fenómeno – num sinal claro de que está em negação.
Em suma, o terreno está fértil para a extrema-direita porque
neste último ano, a direita democrática desistiu de resistir à narrativa da
extrema-direita e isso é a principal maleita da nossa democracia. Não se impôs
o cordão sanitário. Não se combateram as mentiras da extrema-direita. Não se
resgatou quem nelas caiu.
Não se fez nada senão propagar o populismo e a xenofobia.
Em suma, o ódio está à solta. Está mais do que na altura de
o combater.
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