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Mensagens

A mostrar mensagens de março, 2024

10 de março: o preço da alienação e da inação

Eu, como presumo a maioria dos portugueses, ainda estou a processar este verdadeiro sismo que aconteceu ao nosso sistema político nas eleições de 10 de março. Não me espanta por completo o crescimento do Chega, nem sequer a percentagem de voto. Várias sondagens anteriores tinham apontado para resultados desta ordem (a certo ponto houve sondagens que indicavam 21% de intenções de voto para o Chega). Mas entre o ver estudos de opinião e deles tirar a ilação de que estamos numa trajetória preocupante e essa mesma trajetória confirmar-se vai alguma distância. Suponho que tinha um resquício de esperança de que os 16% de indecisos de que a sondagem da Católica dava conta a 7 de março dessem, como em 2022, a volta ao texto e que pelo menos, ganhasse quem ganhasse, o Chega tivesse um resultado menor. Ora, veio a confirmar-se o que os estudos de opinião mais antigos projetavam e agora estamos no pântano (em vários sentidos). No pântano porque estamos perante um cenário de ingovernabilidade extr...

Lamento, mas temos um milhão de racistas

No seu discurso de derrota, Pedro Nuno Santos fez questão de afirmar que Portugal não tem 18% de racistas (o milhão de eleitores que votou Chega nas eleições legislativas). Um mantra que entretanto vi repetido várias vezes. Como estratégia política, entendo a escolha de Pedro Nuno Santos de não antagonizar o eleitorado do Chega cuja maioria se presume terá votado neste partido principalmente por insatisfação com o estado do país e não pelo que o Chega tem a dizer sobre a imigração. Mas há aqui um detalhe a prestar atenção. Na verdade, dois: maioria e principalmente. Ou seja, a maioria dos eleitores Chega terá tido como principal razão para o seu voto o voto de protesto, mas nem isto isenta um número significativo de eleitores do Chega de ter como principal justificação para o seu voto a xenofobia e o racismo, nem isto isenta a maioria cujo principal móbil foi protestar várias outras escolhas políticas de conviver bem com um partido racista e xenófobo ou até de partilhar com ele esses t...

Sim, existe voto inútil

Num texto de opinião publicado no Público intitulado “O que é o voto útil?” , António Barreto defendeu que o conceito de voto útil é artificial e redutor das escolhas que os eleitores fazem. O autor defendeu, inclusive, que a categoria de voto útil é para os comentadores e analistas “uma gazua teórica para explicar quase tudo o que não percebe”. Ora até aí, não concordando com a análise, não vejo nada de particularmente grave. António Barreto não acredita que um voto num partido pequeno seja mais ou menos importante que um voto num partido grande. Discutir este ponto, envolveria discutir uma panóplia de outros temas como a reforma do sistema eleitoral de modo a, por exemplo, introduzir um círculo de compensação de modo que deixemos de ter uma situação em que mais de 700 mil votos nas legislativas de 2022 não elegeram um único deputado devido à sua localização geográfica. Mas também esta não é a totalidade do argumento de António Barreto. António Barreto diz-nos que o dia de voto “parec...

Entre Luís Montenegro e David Cameron, um oceano de diferença

Li, hoje, um  fact-check do Polígrafo , publicado 16 de dezembro de 2023, no qual se dá como verdadeira a alegação de que Luís Montenegro "assinou uma declaração de voto que não só era contra a adoção e casamento de homossexuais, mas também associava a homossexualidade a abuso sexual de menores". De acordo com este site, Luís Montenegro e um conjunto de outros deputados do PSD opuseram-se a alterações constitucionais que reforçavam o princípio da não discriminação que adicionava a orientação sexual como fator de não discriminação através de uma declaração de voto.  Esta declaração de voto afirmava que a adição de orientação sexual ao princípio da não discriminação era "redundante" e que a inclusão da orientação sexual como fonte de discriminação poderia "criar alguma confusão que importa remover", defendendo que "ciclicamente surgem correntes de opinião, cuja vertigem última distorce a própria natureza humana, mas que em nada têm contribuído para ...

A democracia depende do diálogo

Tinha dito a mim mesmo que não iria, até às eleições de 10 de março, escrever mais sobre o cordão sanitário que é necessário impor ao Chega até porque existem assuntos como o futuro da NATO e a situação na Ucrânia que também merecem atenção, mas os desenvolvimentos de ontem e a forma como foram recebidos forçam-me a voltar a abordar o assunto. Os acontecimentos em causa são as declarações de Rui Tavares em que o mesmo disse que "a direita democrática tem de ter com quem dialogar" e sinalizou disponibilidade para diálogo onde for possível ao LIVRE fazer caminho comum com a AD sem que isso ponha em causa os valores do partido. A receção? Bloco de Esquerda e PCP criticaram Rui Tavares por dizer aquilo que é óbvio e prática comum noutras democracias europeias. Aliás, as democracias europeias que citamos quando, em 2015, quebramos a tradição política portuguesa que ditava que o partido mais votado governasse, mesmo sem maioria parlamentar (à base de abstenções do principal partido...