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Pedro Nuno Santos e a política do nada

O mesmo Pedro Nuno Santos que há uns meses se veio insurgir contra o fim da manifestação de interesse e contra a retórica do governo no tema da imigração veio agora, numa entrevista ao Expresso, dizer que afinal foram cometidos erros nas políticas de imigração do governo de António Costa que terão exercido pressão excessiva nos serviços públicos.

Ainda que esta crítica à forma como Portugal aborda a imigração seja mais legitima no sentido em que não procura associar imigração e segurança (ou perceções de falta dela), por outro denota uma falta de convicções genuínas neste tópico.

Algo extremamente problemático numa altura em que os políticos e a sua honestidade e lisura estão sob escrutínio extraordinário. A Pedro Nuno Santos exigia-se consistência, mesmo perante sondagens que apontam para uma vantagem reforçada da AD relativamente ao PS.

Pedro Nuno Santos pode pensar que com isto reposiciona o PS para melhor disputar o eleitorado, principalmente em ano de autárquicas, mas tudo o que faz é normalizar um discurso enganador no tema da imigração.

Escrevi em dezembro e reforço hoje: o país precisa de mais imigrantes, não menos.

Não são os imigrantes que colocam os serviços públicos sob pressão excessiva, é, sim, a constante cativação de despesa orçamentada (abordagem vista com bons olhos por Mário Centeno, João Leão e Fernando Medina ao longo dos oito anos do governo de António Costa), é a ortodoxia orçamental europeia que impede o endividamento de países como Portugal ao mesmo tempo que promove uma moeda única demasiado forte para estes mesmos países e é, sinal dos tempos que vivemos, uma indisponibilidade para falar de aumento de impostos sobre os mais ricos de modo a reforçar os serviços que beneficiam a larga maioria dos cidadãos e residentes.

E, tal como disse José Luís Carneiro, ex-ministro da Administração Interna, em resposta, não é a manifestação de interesse que serve de "efeito de chamada", mas sim o crescimento da atividade económica no país.

Pedro Nuno Santos, como secretário-geral do principal partido da esquerda portuguesa, tem a obrigação de saber que têm sido estas condicionantes que impuseram a atual situação nos serviços públicos.

A isto se adiciona que se Pedro Nuno Santos queria encontrar algo para criticar o governo do seu antecessor na liderança socialista no tema da imigração, havia algo mais consequente e alinhado com a realidade: a extinção do SEF para a subsequente repartição de competências entre a AIMA e a PSP que se tem revelado caótica e inoperacional.

Na falta de resultados favoráveis nas sondagens e perante o crescimento da narrativa anti-imigração na opinião pública, Pedro Nuno Santos parece querer optar por abdicar do tema da imigração ao invés de fazer o combate político necessário para evitar o realinhamento completo neste tema e para repor verdade neste debate.

Numa altura em que o país precisa de respostas em tantos temas (desde a crise da habitação à educação e saúde), urge que tenhamos figuras políticas a ousar pensar de forma sistémica no futuro de Portugal ao invés da forma conjuntural de mera gestão do dia-a-dia e da popularidade a que estamos habituados. Com este revés no seu discurso, Pedro Nuno Santos mostra não estar disposto a fazer isso, alimentando assim a política do nada a que já nos habituamos.

Uma política em que nada importa porque o importante de hoje pode prejudicar as sondagens de amanhã – uma política sem horizontes que é o que de facto urgia rever.

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